30.5.02

O Jardim do quintal

Para aqueles que vibraram com o grande Raul Seixas, não é difícil lembrar da expressão talhada pelo maluco primeiro da música brasileira, que já no início dos anos 80 vislumbrava o interesse de rapina dos EUA na região da Amazônia.
Quase vinte anos depois, não só os gringos continuam com o olho cada vez mais gordo sobre esta riquíssima região de nosso território (monitorado pelos radares americanos do projeto SIVAM, diga-se de passagem), como muitos de nós acabamos defendendo posições aparentemente corretas, mas que condenam as populações da região norte ao eterno subdesenvolvimento.

Refiro-me especialmente a propostas como a de captura de carbono, pela qual o Brasil receberia uma recompensa monetária pela capacidade da Floresta Amazônica de absorver o carbono, expelido à vontade pelas economias avançadas.

Ora, certamente, do ponto de vista ambiental, parece óbvio que devemos todos encontrar uma maneira de reduzir a poluição do ar que respiramos. Contudo, caberia talvez perguntar porque antes de sugerirem a captura, os países poluidores, que faturam barbaridade com seus poderosos parques industriais, não se comprometem seriamente em reduzir a emissão de carbono.

Nesse sentido, não só a insistência dos EUA (de longe o país mais poluidor do planeta) em não assinar o Tratado de Kioto é lamentável, como nos autoriza a duvidar seriamente dos propósitos da tal receita da captura de carbono.

Antes de ser um belo amontoado de árvores capazes de produzir oxigênio, a região norte do Brasil é de extrema riqueza cultural e dispõe de enormes potencialidades para desenvolver ali uma economia sustentável. Como sabemos desde criancinha, o potencial mineral da região, aliado à grande incidência de luz solar (o principal insumo para a produção agropecuária), à grande disponibilidade de recursos hídricos e à sua enorme biodiversidade, faz da Amazônia a principal área do planeta a ser desenvolvida no século que se inicia.

Contudo, se continuarmos fazendo pouco caso da história, tratando deste patrimônio como reserva idílica de nossos sonhos tupiniquins, corremos sérios riscos de perder definitivamente a nossa galinha dos ovos de ouro.

É bom lembrar que deixar uma região inexplorada como a Amazônia à mercê dos interesses particulares do setor privado, mesmo que resulte no desenvolvimento de alguns importantes nichos de mercado, não levará por si só ao desenvolvimento pleno da região, nem impedirá ações predatórias de grupos econômicos pouco criteriosos.

Diante da complexidade das atuais formas de produção, não haverá florescimento expontâneo de atividades capaz de alavancar um sistema articulado de fluxos econômicos, que faça surgir o que os economistas chamam de círculo virtuoso de desenvolvimento. Passada a obsessão liberal, é hora de colocarmos a cabeça no lugar e começar a construir novas agências de desenvolvimento regional que dêem conta de promover a indução de novos ciclos de investimentos e garantam, junto com o gasto público em infra-estrutura e em políticas sociais, não só a superação do atraso que castiga esta região do país, como também o equacionamento - tão raro - entre crescimento econômico, melhorias sociais e preservação da natureza.

Ainda está em tempo. Por uma série de circunstâncias, a febre industrializante que varreu o mundo no Século XX, não passou pela Amazônia e hoje, o desenvolvimento tecnológico já nos permite produzir o que quer que seja sem poluir ou degradar o meio ambiente. Basta acordarmos para o problema e estarmos atentos para garantir o interesse do conjunto da nação em detrimento dos interesses predatórios que a falta de ação pública fez fermentar nestes últimos anos.


Marcelo Manzano
[ publicado no Diário do Litoral - 30/05/2002 ]

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