13.5.02

Simplão de tudo

Me lembro como se fosse hoje. Numa tarde quente do verão de 1999, de um prédio alto do Planalto, um respeitável economista que ocupava o cargo de presidente do Banco Central do Brasil foi à imprensa anunciar que o sistema de "banda cambial" - implementado no início do Plano Real - passaria a funcionar como uma "banda diagonal endógena".

Qua-quara-qua-quá quem riu, qua-quara-qua-quá não fui eu, nem você, nem quase ninguém.

Algumas horas depois do retumbante anúncio, o Real ruiu, esgarçando a banda, verticalizando a diagonal e introjetando endogeneidade adoidado no modelo da gurizada do BC.

Mas não digo isto apenas pelo desejo inegável de bater em cachorro morto. Infelizmente, os 40 Bilhões de dólares que vazaram da economia brasileira nos dois meses que antecederam aquela fatídica tarde e a severa crise que atravessamos naquele ano falam mais alto do que milhões de argumentos.

O que me leva a desenterrar a ossada do totó de antanho é que aquele episódio foi certamente um dos mais emblemáticos exemplos da retórica vazia do discurso econômico dominante. Me incomoda a alma notar que, na luta pelo sentido econômico travada diariamente nos órgão da imprensa, a turma das consultorias financeiras, recém saída dos bancos de Chicago ou Harward, acaba impressionando os incautos, alastrando uma visão falseada do mundo econômico.

Ao contrário do que muitos imaginam, apesar do palavreado invocado e da parafernália matemática que recheia o discurso de 90% dos economistas, suas teorias são fundadas em pressupostos de simplicidade assustadora.

Por mais que tergiverse, o pensamento econômico dominante sustenta sua pirotecnia em idéias como a do mercado perfeito - que, em última instância, implica na aceitação de que todos compram ou vendem (ofertam e demandam) em iguais condições. Ora, como sabemos, a coisa é um pouco mais complicada.

Basta lembrar que no mercado de maior importância da economia capitalista, o mercado de trabalho, jamais haverá equilíbrio possível entre oferta e demanda. Na "livre concorrência", é inevitável que o aumento da produtividade leve a uma crescente redução do nível de emprego, o que obriga o trabalhador a se submeter a condições de trabalho cada vez piores, uma vez que ele não pode deixar de vender sua força de trabalho, sob pena de morrer de fome ou ser obrigado a partir para a porrada. Já para o capitalista, em contrapartida, esta absoluta dependência do trabalhador em relação ao mercado de trabalho é o melhor dos mundos - desde que, evidentemente, fique afastada a hipótese da porrada.

E, convenhamos, além de belos condomínios, carros blindados, shopings protegidos, etc, nada como um time de respeitáveis economistas para manter distante o dia da porrada final. Chicagueando e andando para a boa teoria econômica, estes senhores seduzem meio mundo usando e abusando de modelos e teorias repletas de rococó acadêmico que nada mais são do que versões requentadas de velhos ideais liberais do século XIX.

Em tempo: a expressão "banda diagonal endógena", zênite da sabedoria neoliberal, significa, em português claro, um sistema de controle de câmbio (=banda) desequilibrado (= diagonal) e autodeterminado (= endógeno). Isto é - um "sistema de controle descontrolado", por definição. E de fato, passadas apenas algumas horas, o descontrole do câmbio foi revelado em toda sua simples e terrível força - pelo que pagaremos durante anos.


Marcelo Manzano
[ publicado no Correio Caros Amigos - maio/2002 ]

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