17.5.02

O Ocaso da terceira via

Com a esclerose de Mrs. Tatcher, chegam ao fim também as experiências centristas que prometeram um novo modelo de felicidade econômica baseado no liberalismo de comércio e de capitais e que levaria à generalização da prosperidade e à equalização das condições de vida entre os países e dentro das fronteiras de cada país.

A idéia básica - mais que requentada - do liberalismo seria que a intensificação das trocas favoreceria a atividade econômica, ampliando a riqueza das nações e de seus habitantes. Mas, assim como ocorreu após a crise de 1929, a miragem da economia de mercado foi seguida de uma radicalização de posições ideológicas, isto é, projetos tipicamente de direita ou de esquerda, desmantelando os devaneios híbridos da coluna do meio.

Recentemente, a imprensa e os institutos de pesquisa ao redor do mundo têm apresentado interessantes estudos que avaliam estes vinte anos de globalização liberal, vários deles apontando para o fracasso social desta experiência em que quase todos embarcamos.

Vale mencionar como exemplo um estudo do Economic Policy Institute (http://www.epinet.org) onde se demonstra como entre 1980 e 1999, período marcado por intenso processo de desregulação dos mercados ao redor do mundo, ocorre um aumento generalizado das desigualdades de renda. Enquanto em 1980 os 10% mais ricos países do planeta tinham sua renda média 77 vezes superior à renda média dos 10% países mais pobres, em 1999 esta diferença chega a 122 vezes. Ou seja, após vinte anos de profundo desmonte das estruturas de bem estar social que supostamente inibiam o desenvolvimento econômico, verifica-se que a globalização quase que dobrou a distância entre a renda média das nações ricas e das nações pobres.

Por outro lado, se em 1980 os chamados fluxos de capital estrangeiro que se destinavam para as economias em desenvolvimento (Brasil, Argentina, México, Coréia, Malásia, etc.) totalizavam 1,9 bilhões de dólares, em 1997 chegam a um total de 120,3 bilhões, i.e, um crescimento de nada menos que 6.000%!

Ora, comparando estes números, fica evidente que a despeito da desregulamentação generalizada dos chamados mercados emergentes, o enorme volume de dinheiro que migrou para estas economias não foi condição suficiente para promover a tão decantada "convergência econômica e social" que nos prometiam os liberais.

Pelo contrário, quando lembramos que para atrair estes faceiros bilhões de dólares, os países da periferia tiveram que oferecer vantagens quase que inescrupulosas (juros elevados, salários baixos, precarização das condições de trabalho, seguros cambiais, ajustes fiscais, etc.) aos felizes donos do dinheiro, não é de se estranhar que o ato final desta opereta seja marcado por uma deterioração das condições sociais e por uma crescente dependência em relação aos humores do mercado financeiro internacional.

De acordo com outro estudo recentemente publicado pela UNCTAD (orgão da ONU que se dedica a pesquisas sobre comércio e desenvolvimento), neste mesmo período, a intensificação das trocas mundiais, apesar de ter representado um avanço em termos quantitativos (volume físico) da participação dos países da periferia, em termos financeiros (din-din) houve um retrocesso.

Ou seja, em vinte anos de muito suor e lágrimas, em que por exemplo nós brasileiros mais que triplicamos o volume de produto exportado, não foi possível transformar este esforço em ganhos financeiros, visto que os itens em que nos especializamos perderam valor relativo ao longo dos anos. Enquanto os países ricos concentraram-se na exportação de produtos com elevado valor adicionado (em geral produtos intensos em tecnologia), os países em desenvolvimento ou subdesenvolvidos dedicaram-se à exportação de produtos pouco elaborados ou intensivos em mão-de-obra pouco qualificada.

Consequentemente, passados estes vinte e tantos anos de bravatas liberais, o cenário hoje é tão desolador ou pior do que era no início dos anos 80, com a diferença que naquela época tínhamos os milicos para xingar e ainda contávamos com uma importante estrutura produtiva estatal, que pouco dependiam das agências de avaliação de risco ou da boa vontade dos capitais turistas.

Não é que fossemos felizes e não sabíamos - mas sonhávamos com um futuro próspero que rifamos em nome de uma globalização da qual fomos apenas coadjuvantes.


Marcelo Manzano
[ publicado no Diário do Litoral - 17/5/2002 ]

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