7.5.02

A rosca

Semana passada muito se falou sobre as tais agências de risco, aquelas instituições criadas no mundo rico para orientar especuladores de todos os quilates a aplicar da melhor maneira possível os seus abundantes tostões.
Como fartamente noticiado, soubemos todos que na avaliação destas agências o Brasil teve sua classificação rebaixada, principalmente em razão do quadro eleitoral que se avizinha. Por certo, mais do que o favoritismo do candidato do PT, o que preocupa a banca internacional é que entre os quatro principais candidatos á presidência nenhum parece disposto a manter a promiscua relação entre a nação verde amarela e os capitais especulativos apátridas que vigorou nos últimos 8 anos.

Mas não quero fazer aqui conjecturas econômicas sobre as pataquadas que estas agências se arvoram em anunciar, até porque, além dos inúmeros erros de avaliação que fazem, o risco a que se referem não é o nosso, nação brasileira, mas o deles, especuladores financeiros em busca de dinheiro fácil. Acreditar que o que é bom para a banca é bom para o Brasil é um equívoco que de décadas em décadas costumamos cometer e que invariavelmente nos leva à lona.

Quero antes falar sobre os interesses da grande maioria da população brasileira que, distante do poder e excluída dos circuitos de valorização da riqueza, vive aos trancos e barrancos sem que ninguém se preocupe em classificar o risco social a que está submetida. Seja uma criança da periferia de Itajaí, um velho aposentado de classe média de Belo Horizonte ou um produtor rural de Rondônia, todos tem o direito de querer morar num país que antes de qualquer coisa considere prioritário reduzir o enorme risco a que estão submetidos desde o dia em que tiveram seus nomes registrados em cartório.

É inadmissível e até mesmo surrealista que tenhamos chegado ao ponto de nos preocuparmos mais com a avaliação que uma consultoria de Chicago faz das possibilidades de lucros em nossa terra, do que com o risco claro e transparente de afundarmos numa guerra civil em que já não sabemos mais se quem troca tiros em nosso portão é um traficante, um policial, um desempregado desesperado ou o nosso próprio filho atormentado.

Mais do que isto, é inaceitável que conselheiros norte-americanos venham nos alertar sobre os riscos de eleger um presidente contrário ao manual de boas maneiras do liberalismo econômico, quando em seu próprio quintal o governo Bush não tem tido a menor cerimonia para levantar barreiras a entrada de produtos como o aço e o suco de laranja estrangeiros (por uma infeliz coincidência, duas grandes especialidades brasileiras) - aliás, até onde se tem notícia, nenhuma destas classificadoras de risco rebaixou a posição dos EUA quando o então candidato Bush despontou como novo presidente, apesar de ter sido derrotado no cômputo geral de votos, mas beneficiado pelo sistema de colégio eleitoral que vigora na "maior democracia da terra".

Por fim, nunca é demais lembrar que é por estas e outras que quando se fala na importância de garantir a soberania nacional, mantendo indústrias, empresas de comunicação, bancos ou serviços de utilidade pública sob o controle de capital nacional e muitas vezes estatal não está se fazendo defesa de interesses particulares, corporativistas ou meramente ideológicos, como costumam vociferar os mensageiros dos deuses capitalistas. A necessidade de manter sob controle da nação brasileira ao menos parte da economia brasileira, antes de qualquer coisa, é uma imperiosa condição para que possamos decidir nosso destino sem ter que nos curvar a palpites imorais e arbitrários como os que tivemos que escutar nos últimos dias.

Felizmente, a julgar pela reação de boa parte da imprensa e dos chamados formadores de opinião, cresce no país um sentimento de que os rumos do Brasil não são necessariamente coincidentes com os desejos dos donos do capital internacional, muito pelo contrário.

Quem sabe seja este o primeiro passo para retomarmos nossa soberania e um dia voltar a nos preocupar em reduzir o risco de quem nasce e vive no Brasil.


Marcelo Manzano
[ publicado no Diário do Litoral - 7/5/2002 ]

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