5.3.02

Brincadeira Elétrica

Pois é. Fim de mandato, era de se esperar que pelo menos alguns bons frutos do governo FHC deveriam estar amadurecendo. Mas que nada, curiosamente a trajetória do reinado tucano nasceu de um fruto maduro (o Plano Real), artificialmente regado à base de valorização cambial, e ao que tudo indica deve terminar repleto de laranjas podres. No ano passado veio o apagão, neste ano a dengue, o crescimento monstruoso da dívida pública e agora o novo "seguro" que teremos que pagar para poder contar com a luz acessa dentro de casa.

Além da taxa de R$ 0,049 por kWh (quase 5 centavos) que todos somos obrigados a pagar desde 01 de março de 2002 a título de financiamento das chamadas usinas emergenciais (movidas a óleo diesel), nos próximos dias deveremos estar desembolsando um outro tanto para bancar as usinas movidas a gás.

Vejam só que absurdo: como o governo e seu séquito liberal deixou de planejar algo tão importante como a energia elétrica, após quatro anos de lenta queda do nível de água dos reservatórios fomos obrigados a reduzir o consumo de energia, o que contribuiu para uma aguda freada na produção nacional (o crescimento do setor industrial, por exemplo, caiu de 6,5% para 1,5% em 2001).

Na penumbra e pega de calças curtas, a tucanada célere resolveu então agir, buscando no setor privado empresas dispostas a investir neste escasso mercado brasileiro. Mas, como não apareceram muitos interessados, o governo ofereceu, através do BNDES, dinheiro a taxas bastante camaradas (14,5% AO ANO!), quase 10 vezes mais baixas do que aquelas que costumamos pagar na fatura do cartão de crédito. E pior, para conseguir este dinheiro amigo e ajudar as companhias elétricas o precavido Ministério do Apagão passou a cobrar com meses de antecedência a tal taxa de 5 centavos na nossa conta. É isso mesmo, apesar de estarmos já estarmos contribuindo com nossos sagrados tostões, as novas empresas de energia à diesel só ficarão prontas no próximo mês de julho.

Brincadeira?

Que nada. Agora vem a fase 2. Como neste ano as chuvas resolveram cair, o planejamento do governo falhou mais uma vez e, por mais esdrúxulo que pareça, quando estas novas usinas começarem a operar, vai haver sobra de energia no mercado. Que beleza, em apenas um ano saímos da penúria para a abundância ...

Coisa nenhuma. Como logo depois das usinas a diesel outras usinas termoelétricas movidas a gás devem entrar em operação, prevê-se que a oferta de energia será tamanha, que o governo será obrigado a comprar boa parte do excedente, rateando o custo para todo o conjunto de consumidores através de operações no mercado de energia. Para não desestimular os investimentos das abnegadas companhias de geração de energia, a solução encontrada pelo governo foi sinalizar desde logo que estará mantendo uma "reserva de segurança" no mercado (capacidade ociosa) e repassando o custo indiretamente através do aumento do preço do kWh.

A explicação? Nas palavras do Secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, José Guilherme Reis: o mundo dos negócios é assim mesmo, mudam as condições, você reexamina se vale a pena o investimento...

Pois é. Justamente porque a luz lá de casa, ou das indústrias e dos hospitais não deve faltar é que é bom deixar o setor energético e outras áreas estratégicas fora da mão de gerentes que não enxergam um palmo para além do mundo dos negócios. Nunca é demais lembrar que o principal argumento para a privatização das estatais brasileiras era o de que o setor público deveria guardar seus escassos recursos para áreas prioritárias como saúde e educação. Infelizmente, contudo, já no apagar das luzes da era FHC, não só temos pago mais caro pelos serviços das ex-estatais, como o governo têm aberto os cofres do tesouro para "ajudar" investidores privados desalentados com o pobre mercado brasileiro.


Marcelo Manzano
[ publicado no Diário do Litoral - 05/03/2002 ]

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