24.2.02

A Mão invisível das arquibancadas

Tempos atrás fui ao estádio assistir meu time nocautear mais um pela Copa do Brasil. Noite gostosa, arquibancada cheia, esperávamos em clima de festa pela entrada dos jogadores, quando um infeliz, dotado de aguda esperteza, pôs-se de pé em meio à arquibancada.

"Senta!"; "senta aí animal!"

De todos os lados gritavam torcedores indignados com a atitude nada solidária do companheiro de torcida. Imóvel, contudo, o sabugosa manteve-se indiferente aos apelos, aos copos e aos amendoins que vez ou outra lhe acertavam a nuca.

Um minuto mais tarde, algumas fileiras atrás, levanta-se então um outro torcedor que, com um sorriso meio amarelo, explica que não há outra alternativa senão aquela: assistir ao jogo de pé. A partir de então, enquanto alguns insistiam com os berros de "senta c...!", outros menos persistentes iam aderindo ao espirito do sabugosa, levantando-se um após o outro. Passados dez minutos, estávamos todos assistindo o jogo de pé, agora, porém, sob o mote: "Levanta!".

Na tentativa de levar vantagem sobre os demais e assistir o jogo em posição privilegiada o tal sabugosa detonou uma reação em cadeia que, no final das contas, trouxe um prejuízo geral ao público: todos assistimos o jogo de pé e sob as mesmas condições de visibilidade que as anteriores.

Pois não é que as tão decantadas leis do livre mercado funcionam de maneira semelhante. Ao contrário do que pregam seus defensores (que acreditam que a busca pelo benefício individual resultaria em maiores benefícios para o conjunto da população) a liberalização econômica, no limite, tende a deprimir as condições de vida de todos.

Por exemplo, quando se defende a flexibilização do mercado de trabalho - através da eliminação de direitos trabalhistas - como forma de ampliar a competitividade das empresas e assim garantir o desenvolvimento econômico, está-se deixando de considerar que se esta mesma estratégia for adotada por todas as empresas, em todos os países - como vem ocorrendo -, ao final do processo, os diferenciais de competitividade entre as empresas ou países serão anulados. Pior, a partir de então os trabalhadores estarão sujeitos a condições de vida muito mais precárias.

Em outros termos, permitir o avanço da concorrência capitalista através do relaxamento dos direitos trabalhistas não gera, pelo menos no longo prazo, qualquer ampliação da competitividade das empresas. Aliás, a conseqüência lógica e já presente nos dias de hoje é a ampliação da parcela de lucros em prejuízo dos salários. De fato, desde os anos oitenta vem crescendo a participação dos lucros no total da renda gerada anualmente.

Infelizmente, contudo, as elites endinheiradas deste canto do planeta não parecem dispostos a compreender o que os países da Europa tiveram que aprender a duras penas - pois pagaram com sangue as aventuras liberais dos anos vinte, um processo que culminou com a crise de 29, o nazismo e a Segunda Guerra Mundial.

Estabelecer parâmetros e controles sociais sobre as estratégias de reprodução e ampliação do capital, intervir politicamente sobre o jogo do mercado e as leis da concorrência em nada prejudicam a competitividade das empresas ou o ímpeto transformador da produção capitalista. Antes de se oporem ao jogo, as intervenções políticas sobre os mercados e a economia buscam, apenas e tão somente, garantir uma sociabilidade mínima ao mundo que habitamos. Não se trata de nada muito ambicioso, nem muito menos revolucionário. Nada que algumas horas de arquibancada não nos ensine: gostemos ou não, todos teremos que assistir o jogo - cabe apenas escolhermos em que condições.


Marcelo Manzano
[ publicado no Diário do Litoral 24/02/2002 ]