13.4.01

Pequenas tungadas, grandes negócios

E são tantas emoções. Se você já é cliente, tecle 2; se é devedor, tecle 5; para novos serviços, tecle 6 e para falar com uma de nossas atendentes, tecle 9 e aguarde. Calma, muita calma. A música logo recomeça, só estão te informando que as atendentes estão ocupadas. Não, não, a música não é a do caminhão de gás. Esta parece que é aquela da propaganda da margarina, ...isso, as 4 estações de Vivaldi, perfeito. É que ao telefone a primavera e o outono ficam meio parecidas.

Mas fazer o que? Agora é assim, todo 0800 leva a outro 0800. O que importa mesmo é que teclando o 9 você terá o direito de falar com uma das atendentes que fará o possível para nos convencer que 0800 no 0800 do outro é refresco.
0800 o escambau! Eu quero é morder a orelha do gerente. Que história é esta? Não tem ninguém que responda por nada nessa joça? Chama o ladrão!

E como a gente não consegue mesmo falar com ninguém, o jeito é botar a boca no papel. Eu, que nunca acreditei nessa conversa de privatização, confesso que não esperava tanta vagabundagem e desrespeito por parte dos felizes novos proprietários das nossas ex-estatais. Custava fazer direito?

Para ficar só em dois exemplos mais comuns de absoluto "oportunismo financeiro", cito o que me aconteceu em relação à dois serviços bastante importantes da vida moderna: eletricidade e telefone.

Fim de ano, um monte de conta para pagar, dinheiro curto, e o que é que vejo?

Na conta da CPFL, empresa privatizada do interior de São Paulo, estavam me cobrando o mês de dezembro pelo consumo médio dos últimos três meses, alegando impossibilidade de fazerem a leitura. Até aí tudo bem, acontece, mas, ... prestando bem atenção, notei que o consumo cobrado não só era maior do que a média anterior, como era o maior consumo da história da minha casa, um verdadeiro recorde.

Ora, pois! 0800, mais um instante por favor... inverno, primavera, verão e já entrando no outono, afinal, ouço a atendente me dizer que se houve qualquer erro na cobrança, o dinheiro será descontado em conta futura, antes da primavera.

Mas meus sais, trocando em miúdos, eu, que trabalho de sol a sol para pagar o cheque especial todo fim de mês estou financiando - a juros zero - uma empresa que não se preocupa sequer em colocar alguém do lado de lá da tecla 9 capaz de entender que o consumo médio não pode ser maior que a média do consumo.

E entre um e outro 0800, lembrei-me então que precisava dar um recado para a minha irmã. Liguei para a casa dela e, não é que do lado de lá, ao invés de minha boa e querida mana, a tal pós-doutoranda em telemarketing me informa que infelizmente o telefone está ocupado e que posso deixar o recado após o bip. Mas, até aqui?

Liguei de novo, outra vez mais tarde, mais outra, e por fim fui dormir sem dar o recado.

No almoço de domingo, entre uma asa de frango e outra, me lembro então do ocorrido, ao que minha irmã sorridente me informa que a presença daquela voz futurista em seu telefone era um novo serviço (tecla 5, se não estou enganado) oferecido pela telefônica telefonica. É, legal, pode até ser uma boa, melhor que o "pi pi pi pi" de tantos anos, mas... quer dizer que agora, quando eu ligo para a casa de alguém que tenha optado pelo serviço de caixa postal, não só este alguém tem que pagar pelo tal serviço, como quem liga acaba pagando por um telefonema que não foi completado, visto que foi desviado para a caixa postal?

E então, toca eu para o 0800, aperto o 9, aguardo, dou comida paro o canário, e vai, e volta, e por fim a moça não sabe me dizer se eu pago ou deixo de pagar, mas que de qualquer maneira o valor é de apenas um impulso.

Pois é, dona moça. Realmente não chegam a ser assim muito grandes as tungadas patrocinadas por estas empresas de serviços de utilidade pública.

Acontece que infelizmente ainda não há no mercado 0800 que dê conta de me convencer de que estes pequenos deslizes não sejam frutos de estratégias gerenciais pouco ortodoxas, porém muito rentáveis. Oito centavos aqui, oito ali, certamente não tiram o sono de ninguém, mas talvez por isso mesmo esta seja uma maneira bastante tranqüila de se tungar um mundo de gente, sem chiadeira nem confusão. Já imaginou a bolada de dinh...

Alo! Tá me ouvindo? Quero falar com o ....


Marcelo Manzano
[ publicado na Caros Amigos - abril, 2001 ]