13.3.03

Ótimas - da Malásia

Mais uma vez volto à herética Malásia, tão pouco lembrada pelas vozes do mercado. Tempos atrás, na Caros Amigos e aqui, contei a curiosa história deste tigre bravo que, desafiando o FMI e os mercados, baixou a cancela e passou a controlar quem podia retirar dólares do país. Como comentei naquela ocasião, passado o susto inicial e arrefecidos os ânimos, o país conseguiu desvencilhar-se da cilada financeira em que havia se metido: fixou o valor do dólar em um patamar elevado (i.e., desvalorizou o câmbio), aumentou as exportações, baixou os juros, ampliou os gastos do setor público e, gradativamente, voltou a conceder passe livre a investidores externos que, ao contrário das profecias aborrecidas, mantiveram suas aplicações no país.

O Pulo do Tigre:
Indicadores Selecionados da Economia da Malásia



1998 2000 2002

PIB (%)
-7,4 7,9 3,5

Inflação anual (%)
5,1 1,6 1,8

Exportações (em US$ bilhões)
71,8 98,4 93,3

Reservas (em US$ bilhões)
26,2 29,9 34,6

Fonte: FMI!



Até aí, nenhuma novidade. O que me trás de volta ao assunto foi o fato de que em dezembro último, o FMI tornou pública a sua mea culpa,
(veja em
http://www.imf.org/external/np/sec/pn/2002/pn02135.htm)
assumindo que errou quando condenou a heterodoxia do primeiro-ministro malaio. Em rara concessão à realidade, os analistas do Fundo admitem agora que a países com excessiva vulnerabilidade externa (dependentes da entrada líquida de dólares) pode ser recomendável o controle de capitais e um câmbio desvalorizado como atalhos seguros para a redução das taxas de juros (que ficam desobrigadas de cumprir o papel de chamariz dos investidores externos) e, consequentemente, para a retomada do crescimento da economia.

Saravá. Já não era sem tempo.

O sucesso da estratégia malaia é um importante marco cravado na arrogância financista das políticas liberais. Para nós, em plena temporada de mudanças políticas, acuados por um lado pelo timbre chantagista dos mercados e, de outro, pelo mar que é negro, é estimulante saber que há quem tenha ousado lançar-se às águas e sobrevivido com glória.

O novo governo, tendo que se equilibrar entre a governabilidade e a sede por mudanças, parece impelido a ciscar o milho lançado pelos mercados, enquanto ganha horizonte econômico e fôlego político para mudanças de maior fulcro. Em princípio, como nos manuais de outrora, será sempre possível contrapor tática a estratégia. Contudo, aplicada à economia contemporânea, a velha fórmula da política pode ser demasiado arriscada.

Desde a década de 80, com as transformações liberalizantes operadas nos sistemas financeiros ao redor do mundo e com o surgimento de fundos de investimentos responsáveis pela concentração e direcionamento de grandes fluxos de capitais em busca do máximo retorno no menor prazo possível, prevalece nos mercados uma tendência de que os interesses de curto prazo se sobreponham aos interesses de longo prazo das empresas e dos governos (fenômeno batizado com a medonha expressão de curtoprazismo). Como uma criança mimada, o mercado prefere sorvete a espinafre, indiferente às conseqüências negativas que esta opção traga ao organismo no futuro.

Ao se deixar pautar pela grita diária do mercado, mesmo que a título de tática, os governos correm o risco de se verem obrigados a ceder indefinidamente a novas táticas, distanciando-se cada vez mais de estratégias de mudanças econômicas e sociais.

É bom lembrar que pelo mesmo vício de origem, Pedro Malan e Gustavo Franco torraram o primeiro mandato tucano na esperança da consagração da estratégia: sobrevalorizaram o câmbio, promoveram a maior abertura comercial de nossa história, elevaram os juros, privatizaram o que puderam, multiplicaram por dez a dívida pública e, antes de serem agraciados com os benfazejos capitais estrangeiros, foram atropelados pela crise asiática.

Infortúnio? Urucubaca? Ou desatino de um governo ávido em acalentar o mercado e ser aceito nos negócios das finanças globais? O sacrifício imposto naqueles anos (desemprego, desindustrialização, desestatização) não nos deram acesso à terra prometida. A tática nada tinha com a estratégia.

No mundo econômico, aliás, a história não registra êxito de economias periféricas que ao abdicarem dos instrumentos de gestão macroeconômica (política fiscal; política monetária, política cambial), tenham conseguido sorrir no longo prazo. O capitalismo não é dado a largos períodos de bonança. Seus alicerces, para mal ou para bem, fundam-se na instabilidade, na destruição criadora, na especulação. Neste ambiente, para sobreviver e prosperar é vital que se tenha o maior grau de autonomia - interna e externa - da gestão macroeconômica. Foi o que fez a Malásia, no maior exemplo de “rebeldia” dos últimos anos, e para a qual até o irredutível FMI curva-se agora, não só reconhecendo o erro da condenação anterior, como, o que é mais importante, respaldando políticas econômicas “inimigas do mercado”, porém “amigas” do desenvolvimento daquele país.


P.S. Fiquei devendo o nome do primeiro-ministro malaio: Mahathir Mohamed. O doce fica para outro dia

Marcelo Manzano