1.12.01

Juros pelo Diabo

Crise vai, crise vem, e o jurão lá no céu. É de dar medo a fixação que o Sr. Malan e seus comparsas tem pela manutenção de juros estratosféricos. Tempos atrás cheguei mesmo a pensar que os tais acreditavam em alguma lei divina que determinasse a taxa de juro "ideal" para a economia brasileira. Mas que nada, hoje eu diria que não se trata de questão de fé, como ingenuamente supus: só o espírito do Tinhoso é capaz de explicar tamanha teimosia.

O argumento da trupe é que não se pode correr o risco de alimentar a inflação. Dizem que se os juros baixassem, as pessoas comprariam mais comida, pagariam as prestações atrasadas, trocariam de carro, etc., etc., até que, por fim, os comerciantes e industriais brasileiros iriam se aproveitar do clima de euforia e passariam a remarcar os seus preços, reacendendo o pavio da inflação.

Que grande cinismo! Basta lembrar que a inflação estimada para este ano (próxima dos 8%) foi provocada, em grande medida, pela forte elevação dos chamados preços administrados (gasolina, energia, pedágio, telefone), i.e., preços controlados pela caneta de FHC. Noutros tempos, em que o interesse público prevalecia sobre o privado, o governo poderia talvez ter mantido o preço das tarifas, preservando o poder de compra da população. Entretanto, como para um bom tucano "realismo tarifário" é questão de honra, preferiram se defender da inflação com o jurão, que, entre outras coisas, dá um lucro danado aos bancos que financiaram a eleição do Presidente. Resultado, além de espanar ainda mais a economia, o aumento de 4 pontos percentuais na taxa de juros básicos em 2001 fez crescer em mais 20 bilhões de reais a dívida do setor público brasileiro.

E o pior é que estes aparentados do Coisa Ruim vão acabar colocando o "case" brasileiro nos manuais de economia. No mundo da teoria econômica, muito já se discutiu o limite inferior das taxas de juros - o ponto a partir do qual novas quedas dos juros seriam inócuas na indução do investimento produtivo. Entretanto, até outro dia, era considerado pouco relevante o debate sobre os limites superiores das taxas de juros, visto que não se conhecia o Ministro ..., digo, visto que não se vislumbrava ortodoxia econômica tão apegada à polêmica relação entre taxas de juros e inflação.

Ora, se a taxa de juros é o prêmio pago aos endinheirados para que abram mão de seu capital por um período de tempo, é razoável supor que a partir de um certo patamar, grande parte dos capitalistas já tenham optado por emprestar seus tostões, tornando ocioso que se eleve o prêmio ad infinitum. Afinal, quem poderá dizer com segurança que uma taxa de juros de, digamos, 12 % não inibiria o investimento produtivo de modo semelhante à atual taxa de 19% ao ano? Uma vez estancada a hiperinflação, não há porque imaginar que um país não possa baixar seus juros a níveis civilizados, quanto mais um país como o nosso, com um desemprego superior a 15%, uma indústria estagnada há mais de 8 meses e um PIB que, em 2001, não deverá sequer ultrapassar a taxa de crescimento populacional.

Francamente, nem mesmo as artimanhas luciféricas de uma teoria econômica desprovida de alma parecem dar conta da obsessão tucana em manter o freio de mão puxado de uma economia que há anos roda na banguela.
Mas se não for coisa do coiso, será o que então que essa gente tanto quer?


Marcelo Manzano
[ publicado no Correio Caros Amigos, dezembro, 2001]