13.1.04

Micro e Macro na terra do sol

O governo acaba de anunciar que 2004 será o ano da agenda microeconômica. Uai, e a agenda macro? Muitos imaginam que o que separa a micro da macro é a grandeza dos números: existiria o orçamentozinho lá de casa; o orçamento da empresa ou da prefeitura, e existiria o orçamentão do país, sendo que a gestão deste último corresponderia à macroeconomia. Se assim fosse, teríamos que aceitar que apesar de diferirem no número de zeros e no grau de complexidade, a gestão de qualquer orçamento deveria seguir a mesma lógica: limitar o volume de gastos ao total de receitas disponíveis e, ao fazê-lo, conseguir atingir as melhores metas possíveis (i.e., gerir de forma eficiente e eficaz).

Entretanto, pensar a macroeconomia deste ponto de vista é, na verdade, negá-la em sua essência. O que caracteriza a macroeconomia é que a autoridade econômica de um país não só gerencia os gastos, mas pode - e deve - determinar qual é o tamanho da economia e do orçamento que garantam níveis de atividade suficientes para empregar a todos e fazer crescer a renda. Lembrando daquele personagem Barão de Munchausen, que era capaz de voar erguendo sua própria cabeça pelos cabelos, fazer política macroeconômica é fundamentalmente “inventar” o crescimento econômico a partir da gestão de algumas ferramentas de política econômica que só o governo central detém.

A questão crucial é que o governo de um país pode mexer os seus pauzinhos para criar demanda: atuando sobre a taxa de câmbio (política cambial), pode-se tornar os produtos nacionais mais baratos no mercado externo, isto é: pode-se ampliar a demanda externa; atuando sobre a taxa de juros e sobre o sistema de crédito (política monetária), pode-se estimular o investimento e o consumo interno, fazendo portanto crescer a demanda interna, que também crescerá na medida em que o governo decida gastar mais e economizar menos (política fiscal). Em conjunto, estas três modalidades de política definirão, portanto, o quanto de produto e de renda serão alcançados pela sociedade.

Desta perspectiva, e ao contrário do que sugere o senso comum, não será a poupança acumulada no período anterior que determinará o nosso crescimento futuro, mas será a capacidade do governo de coordenar e garantir demanda que fará crescer a renda e, portanto, a poupança. Graças ao fato de que através do mecanismo de crédito é possível ampliar o poder de gasto sem um prévio entesouramento, concede-se ao governo a primazia de inventar a economia que queremos.

Assim, como no caso do Munchausen, o êxito da política macroeconômica depende menos das condições dadas e mais das condições apontadas, esperadas. A quantidade de dinheiro disponível na economia ou o valor do câmbio não são variáveis determinadas por Deus ou por alguma Lei da Física, mas são sim o resultado de escolhas públicas, mais ou menos relacionadas com esta ou aquela visão de mundo.

Ora, quando o governo diz que em 2003 executou uma agenda macroeconômica, cabe perguntar em que momento o governo de fato exerceu sua prerrogativa de determinar os rumos da economia. Ao que parece, restritos à lógica microeconômica (típica do agente privado, individual), os economistas do governo parecem confundir macroeconomia com ambiente institucional, marcos regalatórios, horizontes legais, condições de equilíbrio, etc. Como conseqüência, o Brasil terminará 2003 como o país emergente com o mais medíocre desempenho econômico. Mesmo aquilo que se comemora como êxito – a valorização das bolsas, a queda do risco-brasil, a valorização dos títulos de nossa dívida, - nada mais foi do que o reflexo da alta liquidez internacional. O fato de termos posado de zeladores enquanto o dólar corria frouxo se configura como a perda de uma chance histórica de usar deste ambiente favorável para fazer o país andar.

Infelizmente, abrimos mão da macroeconomia, numa omissão que pode até ser revertida em 2004, mas que jamais devolverá a nós brasileiros o ano de sacrifícios que vivemos. A quem ficou desempregado, a quem tomou um tiro ao virar a esquina, a quem teve que abandonar os estudos, ... a todos que tiveram que diminuir sua vida para poder caber na planilha do governo, resta perguntar que macroeconomia é essa, tão complexa, tão intrincada, tão dependente das esotéricas leis econômicas que já não se pode fazer mais nada?

Marcelo Manzano
[ publicado na Caros Amigos - janeiro, 2004 ]

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